O romance proibido que inspirou o filme da Netflix
“O fabricante de lágrimas”: história de amor proibido entre Nica e Rigel, adotados pela mesma família. Sucesso no Wattpad e fenômeno internacional.
Anostra:
Prólogo
No Grave, tínhamos várias histórias. Relatos sussurrados, contos de ninar… Lendas na ponta da língua, iluminadas pela chama de uma vela. A história mais conhecida era a do fabricante de lágrimas. Falava de um lugar distante e remoto…
Um mundo onde ninguém chorava, e as pessoas viviam com a alma vazia, despidas de emoções. Mas, escondido de todos, em uma imensa solidão, havia um homenzinho vestido de sombras. Um artesão solitário, pálido e encurvado que, com olhos claros feito vidro, produzia lágrimas de cristal.
As pessoas iam à casa dele e pediam para chorar, para experimentar um pingo de sentimento, porque o amor e a mais compassiva das despedidas se escondem nas lágrimas. São a extensão mais íntima da alma, aquilo que, mais do que a alegria ou a felicidade, nos faz sentir verdadeiramente humanos.
E o artesão lhes ajudava… Inseria as próprias lágrimas nos olhos das pessoas com tudo que tinha dentro de si, e as pessoas choravam: de raiva, de desespero, de dor e de angústia.
Eram paixões dilacerantes, desilusões e lágrimas, lágrimas, lágrimas; o artesão infectava um mundo puro, tingia-o com os sentimentos mais íntimos e extenuantes.
— Lembre-se: não se pode mentir para o fabricante de lágrimas — diziam-nos no fim da história.
As pessoas nos contavam essa lenda para nos ensinar que toda criança pode ser boa; que deve ser boa, porque ninguém nasce mau.
Não é da nossa natureza. Mas, para mim…
Para mim, não era bem assim.
Para mim, não se tratava de uma simples lenda.
Ele não se vestia de sombras. Não era um homenzinho pálido e curvado, de olhos claros feito vidro.
Não.
Eu conhecia o fabricante de lágrimas.
1
Uma nova casa
Vestida de dor, ela ainda era a coisa
mais linda e resplandecente do mundo.
—Estão querendo adotar você.
Jamais imaginei que ouviria aquelas palavras em toda a minha vida.
Na infância, eu havia desejado tanto aquilo que, por um momento, desconfiei que tivesse cochilado e estivesse sonhando. De novo.
Mas aquela não era a voz dos meus sonhos.
Era o tom áspero da sra. Fridge, temperado com a nota de decepção da qual jamais havia nos poupado.
— Eu? — perguntei quase sem voz, incrédula.
Ela me olhou, franzindo o lábio superior.
— Sim.
— Tem certeza disso?
A sra. Fridge apertou a caneta com os dedos rechonchudos, e o olhar que me lançou me fez encolher os ombros na mesma hora.
— Ficou surda agora, é? — vociferou, irritada. — Ou por acaso acha que a surda sou eu? Será que todo esse ar livre entupiu os seus ouvidos?
Com os olhos arregalados de espanto, tratei logo de balançar a cabeça, negando.
Não era possível. Não podia ser.
Ninguém queria adolescentes. Ninguém queria os mais velhos, jamais, por qualquer que fosse o motivo… Era um fato. Era mais ou menos como acontecia nos canis: todo mundo queria os filhotes, porque eram fofinhos, inocentes, fáceis de adestrar; ninguém queria os cachorros que passaram a vida inteira ali.
Não foi uma verdade que eu, criada debaixo daquele teto, tive facilidade de aceitar.
Enquanto éramos pequenos, pelo menos reparavam em nós. Mas, à medida que íamos crescendo, os olhares se tornavam cada vez mais circunstanciais e a compaixão dos outros nos entalhava para sempre entre aquelas quatro paredes. Mas agora… Agora…
— A sra. Milligan quer conversar um pouco com você. Está te esperando lá embaixo; dê uma volta pelo instituto com ela e tente não estragar tudo. Faça o favor de maneirar nas suas besteiras e, talvez, com um pouco de sorte, consiga ir embora daqui.
Tudo estava girando. Enquanto descia as escadas, sentindo o vestido bom roçar os joelhos, me perguntei mais uma vez se tudo aquilo não passava de um dos meus inúmeros devaneios.
Só podia ser um sonho. Ao pé da escada, fui saudada por um rosto gentil: pertencia a uma mulher um pouco mais velha, que segurava um sobretudo nos braços.
— Oi — disse com um sorriso, e me dei conta de que olhava diretamente para mim, nos olhos, como não acontecia havia um bom tempo.
— Bom dia… — exalei, quase sem voz.
Ela disse que já tinha me visto antes, no jardim, ao passar pelo portão de ferro forjado. Havia me avistado entre a grama alta e os feixes de luz que atravessavam as árvores.
— O meu nome é Anna — apresentou-se quando começamos o passeio.
A voz dela era aveludada, suavizada pelo passar dos anos, e eu a observava com fascínio; me perguntei se era possível ser conquistada por um som ou se apegar a algo que tinha acabado de ouvir pela primeira vez.
— E você? Como se chama?
— Nica — respondi, tentando conter a emoção daquele momento. — Eu me chamo Nica.
Ela me observou com curiosidade, e nem cheguei a prestar atenção onde pisava, tamanha era a vontade de retribuir aquele olhar.
— É um nome bem peculiar. Nunca tinha ouvido, sabia?
— É… — Notei que a timidez fazia o meu semblante parecer evasivo e inquieto. — O meus pais que escolheram. Eles… bem, eram dois biólogos. Nica é o nome de uma borboleta.
Não me lembrava de quase nada dos meus pais. Guardava apenas vagas lembranças, como se os visse por trás de um vidro bem embaçado. Se eu fechasse os olhos e permanecesse em silêncio, conseguia ver dois rostos desfocados olhando para mim de cima.
Eu tinha cinco anos quando eles morreram.
O afeto dos meus pais era uma das poucas coisas de que eu me recordava; e de longe a que mais me dava saudade.
— É um nome muito bonito. Nica… — Ela brincou com o nome nos lábios, quase como se quisesse saborear o som. — Nica — repetiu, decidida; então, assentiu com a cabeça, delicadamente.
Anna me olhou bem no rosto e eu me senti radiante. Parecia que a minha pele estava ficando dourada diante daqueles olhos, como se brilhasse com a retribuição de um simples olhar. Não era pouca coisa, não para mim.
Passamos o tempo passeando pelo instituto. Ela me perguntou se eu estava ali fazia muito tempo e eu respondi que praticamente havia crescido naquele lugar; o dia estava muito bonito e demos uma volta pelo jardim, passando perto da hera trepadeira.
— O que você estava fazendo antes… quando eu te vi? — perguntou entre um assunto e outro, indicando um canto distante, entre os brotos de urze selvagem.
O meu olhar voou para aquele ponto e, sem nem saber o motivo, senti o impulso de esconder as mãos.
“Não faça besteira”, havia me advertido a sra. Fridge, e naquele momento as palavras ecoavam na minha cabeça.
— Gosto de ficar ao ar livre — respondi devagar. — Gosto… das criaturas que vivem aqui.
— Tem animais por aqui? — perguntou ela, com certa ingenuidade, mas eu não me expliquei bem e sabia disso.
— Os menorezinhos, sim… — respondi vagamente, prestando atenção para não pisar em um grilo. — Aqueles que muitas vezes a gente nem vê…
Corei um pouco quando os nossos olhares se cruzaram, mas ela não me perguntou mais nada. Em vez disso, compartilhamos um silêncio leve, entre o chilrear dos gaios e os cochichos das crianças que nos espiavam da janela.
Ela me disse que o marido chegaria a qualquer momento. Para me conhecer, deu a entender, e senti o coração me deixando leve, como se eu pudesse sair voando. Enquanto voltávamos, me perguntei se seria possível engarrafar aquelas sensações e guardá-las para sempre. Escondê-las na fronha e observá-las brilhar como se fossem uma pérola na penumbra da noite.
Fazia um bom tempo que eu não me sentia tão feliz. —
Jin, Ross, não corram — falei de brincadeira quando os dois meninos passaram entre a gente, agitando a saia do meu vestido.
Eles deram risadinhas e subiram correndo as escadas, fazendo as velhas tábuas rangerem.
Quando meus olhos reencontraram os da sra. Milligan, notei que estava me observando. Ela alternava o olhar entre uma íris e outra com uma pontada do que quase poderia ser chamado de… admiração.
— Você tem olhos lindíssimos, Nica — revelou-me depois de um instante, sem aviso prévio. — Sabia disso?
Mordi as bochechas de vergonha e me vi sem palavras.
— Você já deve ter ouvido isso um monte de vezes. — Ela me incitou discretamente, mas a verdade era que não, ninguém no Grave jamais havia me dito qualquer coisa do tipo.
As crianças mais novas me perguntavam ingenuamente se eu enxergava em cores, como as outras pessoas. Diziam que os meus olhos eram “da cor do céu quando chora”, porque eram de um cinza surpreendentemente claro, mosqueado, fora do comum. Eu sabia que muitos achavam estranho, mas ninguém nunca havia confessado achar bonito.
Aquele elogio fez meus dedos tremerem discretamente.
— Eu… Não, mas obrigada — balbuciei, toda sem jeito, o que a fez sorrir.
Escondida, belisquei as costas da mão e acolhi aquela dor sutil com uma alegria infinita.
Era real. Era tudo real.
Aquela mulher estava mesmo ali.
Uma família para mim… Uma vida para recomeçar fora dali, fora do Grave…
Sempre tive certeza de que ainda ficaria um bom tempo trancada dentro daquelas paredes. Mais dois anos, até o meu aniversário de dezenove anos. Até que se prove o contrário, aquela era a idade em que um jovem se tornava legalmente adulto no estado do Alabama.
Mas não mais, eu não precisava mais esperar atingir a maioridade. Não, chega de rezar para que alguém viesse me buscar…
— O que é isso? — perguntou a sra. Milligan, sem mais nem menos.
Ela havia levantado a cabeça e observava, extasiada, o ar que a rodeava.
Foi naquele instante que ouvi também. Uma melodia belíssima. Ali, entre as rachaduras e o reboco desgastado, ressoavam as vibrações de notas harmoniosas e profundas.
Uma música angelical se propagou pelas paredes do Grave, cativante como o canto de uma sereia, e eu senti os nervos se encresparem na carne.
A sra. Milligan se afastou, fascinada, seguindo o som, e só me restou ir atrás dela, tensa. Ela chegou em frente ao arco de um cômodo, a sala de visitas, e ali parou.
Assim permaneceu, enfeitiçada, sem tirar os olhos da fonte daquela maravilha invisível: o velho piano vertical, obsoleto e meio desafinado, que, no entanto, seguia cantando.
E aquelas mãos… Aquelas mãos brancas, de pulsos definidos, que deslizavam fluidas e sinuosas ao longo da dentadura de teclas.
— Quem é… — disse a sra. Milligan depois de um momento, com um suspiro. — Quem é aquele rapaz?
Cerrei os dedos nas dobras do vestido; hesitei e, lá no fundo da sala, ele parou de tocar.
Deteve os braços, pouco a pouco, com os ombros retos, relaxados, delineados contra a parede.
E, então, sem pressa, como se tivesse previsto, como se já soubesse, ele se virou.
Ao fazer isso, vimos uma auréola de cabelo espesso e preto como as asas de um corvo. Um rosto pálido, com mandíbulas pronunciadas, no qual se destacavam dois olhos afilados, mais escuros do que carvão.
E ali estava, com um encanto letal. A beleza sedutora dos seus traços, com aqueles lábios brancos e feições bem esculpidas, deixou a sra. Milligan em silêncio ao meu lado.
Ele nos olhou por cima do ombro, com algumas mechas de cabelo roçando as maçãs do rosto salientes e os olhos baixos, brilhantes. Senti um calafrio e tive certeza de tê-lo visto sorrir.
— É o Rigel.
ERIN DOOM é o pseudônimo da autora italiana que começou a escrever como DreamsEater no Wattpad, uma das mídias sociais para leitores mais famosas do mundo. Em um curto período, suas histórias alcançaram seis milhões de leituras, conquistando o coração do público. Seu romance de estreia, O fabricante de lágrimas , é um fenômeno na Itália. Instagram @erindoom_official